Você provavelmente já viu essa foto em algum lugar: um menino negro maltrapilho dá a uma mulher branca, agachada a seu lado, um senhor olhar irônico. A imagem ficou conhecida na internet como "A criança cética do Terceiro Mundo" e se tornou base para uma infinidade de memes desde que foi postada pela primeira vez no site Reddit em 2012.
Mas as legendas sarcásticas e bem-humoradas também deram origem a um debate sobre privacidade e como o Ocidente aborda a questão da pobreza na África.
A imagem do "menino cético" muitas vezes vem acompanhadas por comentários sarcásticos reforçando estereótipos da África como um continente devastado por guerras e em que há constante escassez de comida.
Numa delas, por exemplo, o menino "pergunta" à mulher: "Você está me dizendo que perdeu peso de propósito?". É uma alusão aos índices de desnutrição infantil na África.
Numa delas, por exemplo, o menino "pergunta" à mulher: "Você está me dizendo que perdeu peso de propósito?". É uma alusão aos índices de desnutrição infantil na África.
'Menino simpático'
Mas há um problema ainda mais básico envolvendo o meme: a privacidade da criança.
A identidade da mulher na foto é conhecida. Trata-se de Heena Pranav, uma médica de 28 anos que vive em Chicago, nos Estados Unidos. Em 2012, ela ainda era estudante de medicina quando viajou para Gulu, uma cidade no norte de Uganda, para trabalhar como voluntária em um projeto de assistência a mulheres traumatizadas pela guerra civil no país.
A criança na foto não tinha qualquer relação com o projeto. Pranav contou ter encontrado o menino quando visitava um mercado local.
"Estava com um grupo de outros estudantes quando vi esse menino, que deveria ter dois ou três anos. A mãe dele estava por perto, trabalhando no mercado. Achei o menino bem simpático e brinquei um pouco com ele", disse a médica
O menino não falava inglês e Pranav não tinha conhecimento de nenhuma das línguas locais, mas o rápido encontro foi capturado por um dos estudantes do grupo. Pranav conta que sequer tinha ouvido falar do Reddit antes de uma amiga postar a foto no site e ela viralizar.
"Jamais imaginei que isso pudesse ter acontecido. Gostaria que o menino e a mãe tivessem sido informados e que de alguma forma pudessem ter se beneficiado disso, pois acho que o menino foi explorado".
Pranav não é a única a pensar assim. Martine Jahre, vice-presidente do Fundo de Assistência Internacional de Estudantes e Acadêmicos Noruegueses, uma ONG norueguesa famosa pelos vídeos que tripudiam da publicidade apelativa feita por algumas instituições de caridade (especialmente as que usam imagens de crianças bem pobres), vê uma falta de maior cuidado com a propagação de estereótipos.
"Não somos a polícia moral e é difícil não achar graça (de alguns memes). Mas acho que as pessoas deveriam pensar um pouco mais no que compartilham", afirma Jahre.
"Ninguém gostaria de ver sua criança virar um meme do qual as pessoas fizessem graça ao redor do mundo. Acho que isso diz bastante sobre como pensamos no outro. É perigoso contarmos apenas uma história sobre a África. Se você só ouve sobre fome, guerra e doenças, você fica apático".
Mas a foto do "menino cético" também tem sido usada de uma maneira curiosa: africanos tem veiculado versões do meme em que criticam as visões ocidentais sobre seu continente. Em uma delas, por exemplo, o menino é visto "perguntando" se sua aldeia vai ganhar uma nova escola caso ele chore em frente às câmeras.
Em outra, crítica é dirigida ao trabalho de entidades cristãs no continente. "Você vai me dar sapatos novos se eu deixar você colocar Jesus no meu coração?".
BBC
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